sexta-feira, outubro 29, 2010

PARA FINALIZAR... SOBRE COMEÇOS E TUDO O QUE HÁ PELO MEIO

 (uma adenda ao post anterior)

O que cada começo tem de pior/melhor não é o estar-lhe quase sempre inerente a obrigatoriedade de um fim, mas que, até o aingir existe um percurso  mais ou menos longo de descobertas e marcos/datas, experiências, aromas cujo sabor agridoce fazem reabrir profundas e inevitáveis feridas. Quisesse esquecê-las e tudo seria mais fácil, bastaria tão simplesmente trocar os nomes às coisas, amor por paixão, emoção por razão. Mas assim não teria memórias e um homem sem memórias ou sonhos é um homem nu, despido de fé, um saco vazio ao sabor do vento, sem vontade própria nem vida a que possa chamar sua. Assim, por opção ou casmurrice, contra a lógica do bom senso e os conselhos de quem sempre se preocupa, segue desafiando a estatística das probabilidades, dando ouvidos a quem não vê e raramente pensa: o coração.

MEMÓRIAS DE UM OUTRO OUTUBRO

Pode um amor sobreviver depois de começar com uma mentira? E se a mentira até tiver sido inocente, daquelas que não fazem mal a ninguém? Naquela tarde, três anos antes, a tarde estava bem melhor do que esta manhã em que a chuva caiu impiedosamente. Ele tinha acabado de cortar o cabelo, bem curto, apesar do tempo já fresco, e caminhava a passos largos - a única forma que ele sabia andar - para casa, quando o telemóvel tocou e lhe disseram que alguém tinha perguntado por ele. Sorriu, iluminando-se por dentro. As expectativas criadas no último par de dias pareciam ir concretizar-se, apenas não sabendo o seu alcance. Ligou-lhe de volta. 
- Já tenho aquilo para lhe entregar. - disse ela - Entrego amanhã à sua mãe?
Hesitou, sabendo que assim não teria hipóteses de vê-la, devido ao horário de trabalho. Não podia deixar para amanhã. A vida nunca deve ser deixada para depois.
- Podiamos encontrarmo-nos agora, para um café. - alvitrou - Eu ía agora beber um (mentira) e estou perto aí de casa (segunda mentira). Se quiseres...
Pouco depois encontravam-se pela primeira vez sozinhos, surpreendentemente familiares, inesperadamente - nele - faladores, parecendo quererem saber tudo um do outro no mínimo espaço de tempo. Tanto que, durante os dias seguintes não deixaram de se encontrar e bastou um par de dias para passarem da amizade àquele patamar mais elevado, que a urgência das suas afinidades e sentimentos deixava claramente perceber. Quantos dias são precisos para nos apaixonarmos? Três anos se passaram, numa relação intensa e marcada por altos e baixos que se arrastavam por vezes durante largos meses, fruto de duas personalidades difíceis, de uma teimosia estúpida que deixou que tanto tempo se lhes escapasse das mãos e dos anos. Depois bastava uma mensagem, nem sempre, mas quase sempre dele e tudo voltava ao normal, porque no fundo - parecia - tinham sido feitos um para o outro. Acreditamos em tudo quando estamos apaixonados, não enxergando muitas vezes aquilo que está bem diante do nosso nariz. Diz ele que no dia em que deixar de acreditar em tudo o que viveu - e foram os melhores três anos da sua vida -, em tudo o que foi dito, em finais felizes, a vida não terá mais sentido, porque sem sonhos, o horizonte é negro e sombrio como a manhã que hoje o despertou, três anos volvidos. Pode um amor morrer sem uma razão específica e válida deixando atrás de si apenas uma amizade ténue? Podem duas pessoas , depois de muitas promessas e planos, nas vésperas de uma vida em comum descobrirem pura e simplesmente que estavam enganadas o tempo todo? Pode o amor ser tão inconsequente e frágil, soçobrar às primeiras rajadas fortes de um Outubro agreste?

segunda-feira, outubro 18, 2010

HEAR ME

Hear Me é um belíssimo exemplo do bom cinema que se continua a fazer na Ásia, não apenas na Coreia do Sul, China ou Japão, mas também em Taiwan - Spider Lilies, Three Times...-, de onde é originário este filme de 2009, que conta a história de Yang Yang (Ivy Chen) e Tian Kuo (Eddie Peng), dois jovens para quem os problemas de comunicação parecem pôr em causa a felicidade dos dois e os sentimentos entre eles. Quase silêncioso, o filme vive muito da linguagem gestual entre a maioria dos personagens - com as legendas a serem um auxílio precioso ao espectador -, da integração dos deficientes auditivos numa sociedade cada vez mais apressada e cheia de ruídos e, principalmente, da dificuldade que as pessoas têm - com deficiência auditiva mas não só - de se fazerem ouvir, mas também escutar e compreenderem, vozes, gestos, o coração. É ao coração que nos toca sobremaneira este filme delicado e terno, intenso, incapaz de nos deixar indiferentes.
duas irmãs vivendo os sonhos uma da outra

a dificuldade de comunicar sempre presente

pode um amor sobreviver de silêncios?
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domingo, outubro 17, 2010

UM BON VIVANT!

 Big Mal, como era carinhosamente tratado, Malcolm Allison, antigo treinador do Sporting, faleceu nesta última semana. E a notícia - aqui - até poderia ficar por estas duas linhas ou mesmo nem tanto. Mas a consciência não o permitiria, por vários motivos, desde logo ter sido o primeiro treinador de futebol a chamar-me a atenção pelo seu estilo peculiar, bonacheirão, amante das coisas boas da vida, de noitadas, mulheres e champanhe (que dizia beber uma garrafa por dia), a antítese do desportista, do treinador de futebol, do profissional que era, assim que o treino começava, por mais longa que tivesse sido a noite. E era isso que exigia aos seus jogadores,  a partir da hora em que tinham de se apresentar no estádio: profissionalismo e entrega. Talvez por isso a sua fama, a sua marca de bon vivant tivesse ficado mais vincada na memória dos que o conheceram do que propriamente pelos títulos conquistados pelas suas equipas (1 liga inglesa, 1 supertaça, 1 taça de Inglaterra e 1 taça da liga, 1 campeonato e 1 taça de Portugal pelo Sporting na distante época de 81-82). Após a conquista do campeonato e taça pelos leões de Alvalade, foi despedido na temporada seguinte, depois de um estágio de pré-temporada na Bulgária em que terão havido mulheres nos quartos dos jogadores, grandes noitadas e muita bebida, com o treinador a dar o exemplo. Dentro das quatro linhas do relvado, todavia, a equipa do célebre tridente atacante (Manuel Fernandes, Oliveira, Jordão) fazia questão de jogar e de encantar, sendo ainda hoje - para mim - a melhor equipa do Sporting que vi jogar nestes últimos 30 anos, seguidos de perto pela equipa de Bobby Robson (de Cherbakov, Paulo Sousa, João Pinto, Balakov...) ou de Octávio Machado e a léguas daquela que foi recentemente campeã. Aos 83 anos, o homem que surpreendeu um dia muita gente ao colocar um quase desconhecido Mário Jorge na equipa inícial frente ao FC Porto (no lugar do consagrado Jordão, num jogo que viria a vencer por 1 a 0, golo de Mário Jorge), não resistiu à morte, mas o que viveu fê-lo, seguramente de forma intensa, sempre no seu jeito extrovertido, um exemplo para tanta gente, treinadores inclusive, uma prova de que a vida e o futebol não têm de ser uma guerra cheia de inimigos de um lado e do outro lado da barricada, um tratado imenso de regras e normas que temos de seguir se quisermos sobreviver.

 Inácio (campeão em 81-82): "Para ele uma coisa era o treino e o jogo, outra era o convívio. Uma vez fomos todos almoçar, não havia restrições, podíamos beber, e ele fumava charuto e obrigou-nos a todos a dar uma passa! (...) Nos dias de hoje era impossível haver um Malcolm Allison"
Manuel Fernandes (campeão em 81-82): "Respeitava os atletas e tinha vontade enorme de viver. O trabalho era importante mas viver também era. (...) Não bebia às escondidas, fazia-o à frente de toda a gente porque achava que não estava a fazer mal a ninguém. Hoje não podia ser."

quarta-feira, outubro 06, 2010

AMANHÃ

Teorias, utopias, demagogias, sonhos. Foi este o feed-back às minhas palavras no meu post anterior, onde, como de costume, deixei-me contagiar, exagerei num discurso salpicado de alguns laivos quixotescos, como soi suceder de cada vez que o tema me diz tanto como a mudança, sabido é que nestas coisas vai sempre uma grande diferença entre o falar e o fazer. Não falei da mudança como algo radical, um corte abrupto com o passado. A mudança não tem de ser uma utopia. Assusta? Assusta deixar o colo materno para irmos para uma casa nossa, assusta começar uma vida nova, termos de lutar pela nossa independência, abdicar da nossa privacidade, dos nossos segredos, partilhar, mesmo quando é isso que mais desejamos? Desejo, vontade, são palavras fundamentais em contraponto com algo que nos é imposto. Não devemos alterar nada que não seja da nossa vontade, em que não acreditemos. Hoje não vou deitar lixo para a rua, hoje vou tentar sorrir mais e não me deixar contagiar pela má disposição dos outros, hoje... É isso que assusta, não a mudança em si, mas o hoje, a proximidade do teste da escola, do exame de condução, do casamento. A fuga à rotina assusta, claro. A mudança de hábitos é daquelas coisas que concordamos sempre como necessárias e perfeitamente possíveis, mas nunca tão urgentes ao ponto de não podermos adiá-las para um amanhã sempre adiado no rol das prioridades. Sim, amanhã - não hoje - vou deixar de fumar, amanhã vou lutar pelo que eu quero, amanhã vou levar os miúdos a passear, vou abrir o meu coração, amanhã... vou ser uma pessoa diferente, vou ser melhor, vou ser feliz..

terça-feira, outubro 05, 2010

SALVAR O FUTURO

É a hora. Não de uma guerra que de guerras andamos fartos - já nos bastam as dos políticos - mas de dizer um basta e de mudar não apenas por mudar. Mudem-se as mentalidades para começar, os valores e já agora a política e os políticos. É a hora de acordar e sacudir dos olhos a poeira das promessas vãs e das mentiras, de agarrar na enxada e cultivar a terra mesmo que não seja ao pé da letra, lançar as sementes para um futuro que não seja apenas isto, mais do mesmo, não apenas outras moscas, a mesma... Pequenos gestos que aos outros possam parecer insignificantes, pequenos passos que começam por nós, por mim, por si. Como esperar mudar o mundo se não somos capazes de mudar nada em nós? Porque isso de ser perfeito... nem Cristo! É hora, com Reis ou Presidentes, mas sobretudo com Homens, de dar as mãos e esquecer as diferenças, de tentar - com carácter de urgência!, pensem nos sonhos ainda por viver, nos filhos e nos filhos dos filhos - salvar o futuro enquanto ainda houver presente.

domingo, outubro 03, 2010

PORQUE HOJE É DOMINGO!... (e ontem foi 2 de Outubro)

... e na ressaca de um dia perfeito acordariam invulgarmente tarde, talvez por ser a primeira noite juntos. A primeira coisa que ela veria seriam os seus olhos, porque o amor ainda tem dessas coisas, detalhes, laivos de romantismo que fazem com que a vida por vezes pareça valer a pena. E a seguir aos olhos - ela sabia-o, adivinhava-o -o toque das mãos no cabelo solto, numa carícia mais prolongada. A chuva caía, inesperada embora sem ser indesejada, apesar da praia ali tão perto, para lá da penumbra acolhedora daquele pequeno quarto, improvisado ninho de um amor nem sempre esclarecido todavia intenso. Não importava, tão pouca era a pressa de sair daquele abrigo quente e seguro que eram os braços um do outro, da urgência serena da pele, dos beijos, olhares e palavras, da ternura muito mais que física. Lá fora, pouco mais que o silêncio. Lamentos de turistas nas esplanadas cobertas dos cafés, a quem a borrasca apanhara de surpresa, obrigando a outras opções. Amar, sonhar, partilhar emoções, elos, família, viver. Tanto por fazer, tanto por descobrir, tantas sementes a cultivar. Mas sem pressa, sem queimar etapas, porque como em tudo na vida, uns bons preliminares são fundamentais, fazem a diferença entre o sucesso e o fracasso, o sábio degustar de cada momento, o desfrutar ao máximo dos pormenores, o ser honesto, sincero e apaixonado, completo em cada entrega. Não sabiam que horas eram. Pelo menos por um dia negar-se-iam a ser reféns do tempo. Mais tarde, só então,  abririam uma excepção para as pessoas, para o Sol ou para a chuva, para os outros. Até lá bastava-lhe estender o sonho, enganar o sono de uma noite mal dormida pelo trabalho e mesmo assim ter medo de acordar, longe das extensas dunas de areia branca e dos turistas desprevenidos, da água de encontro à janela e da chuva transformada em lágrimas, encharcando a ausência dos braços e do resto, fíapos de vida fingida, versos tristes de um amargo e desconfortante amanhecer.

Pensei um dia que poderia transformar uma data triste com um evento feliz, sem ter de rasgar folhas ao calendário, moldar os dias a meu belo prazer com a fina arte de um moleiro. Pensei fazer de uma recordação triste o dia mais feliz da minha vida. Não consegui. Faltou-me o engenho, faltou-me um motivo, alguém que me livrasse de vez deste medo de acordar.