quinta-feira, janeiro 15, 2009

CARTA ABERTA AO CARDEAL

Casar com um muçulmano "é meter-se num monte de sarilhos que nem Alá sabe onde é que acabam". Esta frase é da autoria do Cardeal Patriarca de Lisboa, D.José Polícarpo, durante uma tertúlia, no Casino da Figueira da Foz. "Cautela com os amores. Pensem duas vezes antes de casarem com um muçulmano, pensem muito seriamente, é meterem-se num monte de sarilhos que nem Alá sabe onde é que acabam".
Caro senhor Cardeal, pensei que as mentalidades de algumas das mais proeminentes figuras da igreja católica tivessem evoluído nas últimas décadas, não obstante os arrufos já habituais sempre que algo ou alguém coloca em causa os frágeis alicerces que baseiam as vossas verdades irrefutáveis, suporte príncipal de toda a vossa doutrina milenar. Não sou muçulmano. Não concordando com muitos dos seus ideais e fundamentalismos exacerbados, nada me move contra a comunidade muçulmana - onde tenho alguns conhecidos e amigos -, o mesmo se passando em relação a qualquer outra religião. Para mim somos todos iguais, sem azuis claros e azuis escuros. Não concebo, no entanto, verdades absolutas intransigentes a qualquer dúvida razoável, pessoas para quem não estar do seu lado é estar contra. Não aceito ainda que, seja que religião for, proíba os padres de se casarem, como se a manifestação de um sentimento tão belo entre duas pessoas pudesse castrá-las das suas capacidades religiosas. Mas não, não houve evolução, porque a evolução implica mudanças e as paredes do Vaticano são frágeis. Tão frágeis que até Alá volta a ser temido, como antes os seus seguidores foram perseguidos e eliminados durante as Cruzadas, em nome do Cristianismo. Já devíamos ter aprendido com os erros, desde que, bem mais recentemente, também se perseguiram e chacinaram inocentes em nome de uma raça pura. Quando é que vamos saber conviver com as diferenças culturais, raciais, seja de que forma essas diferenças se manifestem? As suas palavras, senhor Cardeal, demonstram uma xenofobia que eu acreditava já banida de certos sectores da nossa sociedade dita moderna e evoluída. Pelo menos, não esperava que ela fosse manifestada de forma pública, apesar de acreditar que muita gente pensa como vossa excelência, embora sem o manifestarem. Acredite, porque, como o disse anteriormente, conheço alguns muçulmanos: nem todos andam por aí carregados de explosivos, prontos a detonarem-se a si e aos outros em nome de um Deus desconhecido; nem todos são fanáticos ao ponto de exporem as suas vidas e de familiares só porque quem manda o ordena. A maior parte, assim como nós, são boas pessoas preocupadas apenas em sobreviver; vítimas inocentes, danos colaterais de um punhado de gente que não sabe viver sem guerras, mesmo que já não saibam porque lutam. As suas palavras não foram bem medidas, e acredito que não tenha querido dizer realmente o que disse, mas a verdade é que geraram preocupação, foram imprudentes ao mexerem com sentimentos profundos de patriotismo e de fé, tenha ela o nome ou a forma que lhe dermos - todos precisamos de algo a que nos agarrarmos nos momentos difíceis. Em Portugal chamamos Deus, em Inglaterra God, no mundo islâmico Allah, eu chamo Fé. O mundo actual está um caos, vive-se uma profunda crise de valores, especialmente morais. Não vamos alimentar a fogueira da descrença e da violência, vendo torres gémeas onde elas não existem.

3 comentários:

lumadian disse...

Por isso é que para mim, Igreja é um edifício para se contemplar de fora. Recordações de um passado...

Anónimo disse...

Miguel desculpa a pergunta mas... e casar com um português, acabam os problemas??? Hoje em dia não se dá valor ao casamento, poderam dizer que é o stress da vida mas não me parece...

Miguel disse...

Casar foi, é e será sempre uma carta fechada, mas tens razão, e seria um tópico interessante. Cada vez menos se dá valor ao casamento, como aos sentimentos.