sábado, dezembro 03, 2005

APRENDER A CAMINHAR


É tão difícil aprender a caminhar quando caíndo nos levantamos sabendo que voltaremos a caír; é tão difícil fazer de conta que somos donos de nós mesmos, sem dados nem peões, sem dinheiro de brincar; é tão difícil decidir, fazer, trabalhar, comprar e gastar sem ter com quê, poupar sem ter o quê, sofrer, dos outros o jugo nem sempre justo de tudo que em boa fé fazendo se volta invariávelmente contra nós; é tão difícil viver sem um manual na mão, às cegas na corda bamba sempre com o medo de falhar; é tão difícil saber o qu'é de saber, quem somos, p'ra onde vamos, o que queremos fazer, acordar sem saber porquê, dormir sem saber quando, ter de trabalhar naquilo que não gostamos; é tão difiícil mentir só p'ra agradar, baixar a cabeça, agradecer, agradecer sempre, morrer, pouco a pouco numa overdose de submissão; é tão difícil gostar do que vês ao espelho, as primeiras rugas, os cabelos esbranquiçados, a pele flácida, o sorriso forçado, os dentes caríados, o corpo mole, um dia a mais que ontem e os sonhos recentes há muito perdidos no vazio imenso de quatro paredes de tinta suja, já escassa. Onde páram eles?, os amigos mesmo amigos, as promessas que ficaram por cumprir adiadas, a ambição, a esperança e a fé? Onde pára o sorriso?, esse, que sem saberes enchia de luz o breu intenso dos meus dias soturnos e tristes. É tão difícil acordar, caír, assentar os pés no chão, quando toda a vida sempre andámos de cabeça nas nuvens, ideias ao vento e asas nas mãos!


OUT03

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