quinta-feira, novembro 27, 2008

A IMPORTÂNCIA DE UM NÃO

O que explica cada vez mais actos tresloucados de violência puramente gratuíta e difícil de compreender pelo senso comum? Filhos batem nos pais, maridos e mulheres agridem-se um ou outro às vezes por motivos mesquinhos e sem importância, alunos desrespeitam e atacam professores. Por todo esse mundo há jovens que vão armados para as escolas e sem se saber muito bem porquê, começam a disparar indiscriminadamente, antes de porem termo à própria vida, pais violam filhas, etc etc etc. Dizem-se muitas coisas. Diz-se que a crise económica leva as pessoas a perderem a cabeça, que é a violência a que assistimos na televisão, nos filmes, e que há referências ao sexo em todo o lugar, desde os anúncios de TV, as telenovelas ou à própria maneira como se vestem as jovens dos dias de hoje, vulgarizando um acto de amor ao seu estado mais vulgar, primário e obsceno. Tudo isso mais as noitadas até às tantas, em que os nossos homens e mulheres de amanhã já começam a noite acompanhados de duas ou três garrafas cheias - quase sempre trazidas de casa, porque as bebidas nos bares e discotecas não são baratas - e acabam-nas quase a cair para o lado e sem saberem bem o que se passou entre o início e o fim da noite, mas com a satisfação de que são mesmo In, porque beberam, fumaram, passaram toda a noite fora de casa e mantiveram assim o respeito dos "amigos". O jovem actual tem uma fraca noção de direitos e deveres e de responsabilidades. Assim, pensam que podem fazer tudo, porque ninguém lhes poderá fazer nada. Afinal, nem os criminosos já vão para a prisão. Como se não bastasse, os problemas com droga, os assaltos e o próprio flagelo da prostituição estão a aumentar e a transformar a nossa sociedade de forma caótica, com as forças da ordem a perderem o controlo da situação e as pessoas andam com medo de passear na rua, mesmo em pleno dia. E a culpa é da televisão? Isto vem a propósito de uma postagem que li e que relatava que em algum lugar do mundo, um jovem entrou na casa da namorada com uma arma, que lhe foi vendida mesmo sem que para isso tivesse licença e fez a família dela refém, mantendo a polícia ocupada durante longas horas e atirando em duas pessoas inocentes. Ao que parece, porque ela NÃO quis mais falar com ele, porque a amava, mas não aceitava um NÃO como resposta. Pelo excerto do texto que se segue - e que nos dá uma outra e curiosa versão dessa história das responsabilidades -, a culpa de muito do que está errado nos dias de hoje pode ser de um simples NÃO.
"O NÃO da menina foi o único NÃO, dessa história toda. Faltaram muitos outros NÃOS: Faltou o NÃO de um pai e uma mãe; alienados pelas novelas de TV, dizerem que a filha de 12 anos NÃO podia namorar um rapaz de 19. Faltou uma outra mãe dizer que NÃO iria sucumbir ao medo e ir lá e tirar o filho do tal apartamento a puxões de orelha. (...) Faltou o governo dizer NÃO ao sensacionalismo da imprensa em torno do caso, que permitiu que o tal sequestrador conversasse e chorasse compulsivamente em todos os programas de TV que o procuraram. Pelo jeito, a única que disse NÃO nessa história foi punida com uma bala na cabeça.

O mundo está carente de NÃOS.

Vejo que cada vez mais os pais e professores morrem de medo de dizer NÃO às crianças. Mulheres ainda têm medo de dizer NÃO aos maridos (e alguns maridos, temem dizer NÃO às esposas). Pessoas têm medo de dizer NÃO aos amigos. Noras que não conseguem dizer NÃO às sogras, chefes que não dizem NÃO aos subordinados, gente que não consegue dizer NÃO aos próprios desejos. E assim são criados alguns monstros. Talvez alguns não cheguem a sequestrar pessoas. Mas têm pequenos surtos quando escutam um NÃO, seja do guarda de trânsito, do chefe, do professor, da namorada, do gerente do banco. Essas pessoas acabam crendo que abusar é normal. E é legal. Os pais dizem, “não posso traumatizar meu filho”. E não é raro eu ver em público alguns tomando tapas de bebés com 1 ou 2 anos. Outros gastam o que não têm em brinquedos todos os dias e festas de aniversário faraónicas para suas crias. Sem falar nos adolescentes. Hoje em dia, é difícil ouvir alguém dizer:

“NÃO, você não pode bater no seu amiguinho”.

“NÃO, você não vai assistir a uma novela feita para adultos”.

“NÃO, você não vai fumar maconha enquanto for contra a lei”.

“NÃO, você não vai passar a madrugada na rua”.

“NÃO, você não vai dirigir sem carteira de habilitação”.

“NÃO, você não vai beber uma cervejinha enquanto não fizer 18 anos”.

“NÃO, essas pessoas não são companhias para você”.

“NÃO, hoje você não vai ganhar brinquedo ou comer salgadinho e chocolate”.

“NÃO, aqui não é lugar para você ficar”.

“NÃO, você não vai faltar na escola sem estar doente”.

“NÃO, essa conversa não é para você se meter”.

“NÃO, com isto você não vai brincar”.

“NÃO, hoje você está de castigo e não vai brincar no parque”.

Crianças e adolescentes que crescem sem ouvir bons, justos e firmes NÃOS; crescem sem saber que o mundo não é só deles. E aí, no primeiro NÃO que a vida dá (e a vida dá muitos) surtam. Usam drogas. Compram armas. Transam sem camisinha. Batem em professores. Furam o pneu do carro do chefe. Chutam mendigos e prostitutas na rua. E daí por diante. Não estou defendendo a volta da educação rígida e sem diálogo, pelo contrário. Acredito piamente que crianças e adolescentes tratados com um amor real, sem culpa, tranquilo e livre, conseguem perfeitamente entender uma sanção do pai ou da mãe, um tapa, um castigo, um NÃO; intuem que o amor dos adultos pelas crianças não é só prazer – é também responsabilidade. E quem ouve uns NÃOS de vez em quando também aprende a dizê-los quando é preciso. Acaba aprendendo que é importante dizer NÃO a algumas pessoas que tentam abusar de nós de diversas maneiras, com respeito e firmeza, mesmo que sejam pessoas que nos amem. O NÃO protege, ensina e prepara. Por mais que seja difícil, eu tento dizer NÃO aos seres humanos que cruzam os meus caminhos, quando acredito que é hora – e tento respeitar também os NÃOS que recebo. Nem sempre consigo, mas tento. É aí que está a solução para a violência cada vez mais desmedida e absurda dos nossos dias."

Toda a gente tem direitos e deveres e aos pais não assiste o direito de ficarem calados, mesmo quando os filhos - por já saberem andar pelos seus próprios pés - julgam que já sabem tudo. Eu próprio não sei de tudo. Continuo a aprender todos os dias, a cada minuto, e será assim enquanto eu viver, ensinando, mas sobretudo aprendendo, que nem todas as pessoas são iguais, respeitando as diferenças - isso faz parte da cidadania - e tendo a noção de que os meus direitos vão até onde começam os direitos dos outros. Isso é fulcral para uma convivência sã e é geralmente esquecido nos dias de hoje, em que só os nossos desejos e direitos contam.

P.S. Será que só a mim é que causa confusão esta nova moda de andar com as calças abaixo? Se calhar estou já a ficar cota - mesmo que com alguns dias de antecedência.


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