Antes de mais nada devo confessar que não fui votar, essencialmente por duas razões: por restarem ainda algumas dúvidas quanto à minha decisão, mas sobretudo pela doença de um famíliar próximo, situação que me tem absorvido sobremaneira nos tempos mais recentes, levando-me a deixar quase tudo o resto para trás, desde decisões que poderão mudar o rumo imediato da minha vida, como em relação a tantas outras pequenas coisas menores. Desculpem-me portanto aqueles que, com toda a legitimidade que lhes assiste, defendem acérrimamente o acto do voto, mas a saúde da minha mãe é, para mim, mais importante que qualquer referendo, jogo decisivo de campeonato ou ameaça nuclear. Ao longo dos últimos meses apresentei aqui, a propósito deste referendo argumentos válidos, quer para o Sim como para o Não, concordando quase em absoluto com o que cada um desses argumentos defendia. Pode parecer incongruente, mas longe de me considerar dono da verdade, gosto de ouvir os outros, procurar saber das suas motivações, respeitando-as estando ou não de acordo, desde que fundamentadas e não por critérios clubísticos, rácicos, políticos ou sexistas. Desde o início que considerei faltar objectividade sobre o tema do Aborto, por considerar o acto demasiado complexo e pessoal. E ainda bem que assim é, que nem tudo na vida se esgota entre o branco e o preto, bem ou mal, nascer ou morrer e a virtude, como alguns defendem, está lá... no meio. No que ao aborto concerne, cada caso é um caso e o abortar consequência de violação não é similar ao fruto indesejado de um devaneio sexual, nem a mulher, sendo como muitos defendem dona do seu corpo, não o é da vida que carrega no seu ventre, antes sendo co-responsável pelo seu crescimento saudável. Assim, só por insensatez ou maldade se pode comparar um simples cortar de unhas ou de fazer uma plástica ao acto de abortar. Não foi certamente fácil para muitos, pais e mães que tiveram de abandonar os filhos por falta de dinheiro ou casa, para aqueles que perderam as esposas durante esses degradantes abortos clandestinos, quer para todos aqueles que verdadeiramente procuraram saber os prós e os contras da legalização do aborto, o acto eleitoral de ontem. Houve pouca informação aos portugueses, muitos debates em que a falta de respeito pela diferença salutar de opiniões foi gritante, quase obscena. Muitos de nós não compreendemos ainda que há pessoas que pensam de forma distinta da nossa, sem que alguém tenha de estar errado. Certo, do meu humilde ponto de vista, apenas a certeza de que a Mulher não podía continuar a ser penalizada por abortar, não devia e não merecia continuar a ser humilhada aos olhos de um mundo insensível de falsos moralistas sempre prontos a apontarem o dedo. A Mulher não podia continuar a ser violentada nem a arriscar a sua vida desumanamente às atrocidades de qualquer aborto clandestino, como peças de carne no talho. Se o aborto é crime, a matemática nem sempre é clara e objectiva e, não raras vezes quem de dois tira um pode resultar zero. Os resultados foram, como sabemos, inequívocos, reveladores da vontade da grande maioria dos portugueses, num cortar amarras com um passado enraízadamente católico, mas o futuro inicia-se já hoje com o peso das responsabilidades que cada vitória conseguida acarreta. É preciso passar da teoria à prática, cumprir as promessas levianamente proferidas a troco de uma mão cheia de votos. O Governo tem pela frente mais uma tarefa árdua rumo à credibilização aos olhos do país, mas talvez menos complicada que a dos pais e mães que, na hora de gerarem um filho deverão ser mais conscientes e responsáveis antes de se decidirem pelo aborto.
1 comentário:
Gostei do texto, mas continuo a pensar que o pais deu um passo atrás enorme. O futuro próximo o dirá...
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