"Ontem eras a menina mais alegre e mais bonita que eu já conheci"
Nasci antes do 25 de Abril de 1974, não muito. Não tanto que me possa recordar de quaisquer factos que se tenham passado naqueles dias tão importantes para a nossa história, que me permitam dizer com maior ou menor exactidão onde estava eu no 25 de Abril de 1974. O que sei, aprendi nos livros da escola e naquilo que fui perguntando aos meus pais e a conhecidos que viveram de perto esses dias. Quis saber o que sentiram, da importância, da razão das lágrimas nos olhos, da alegria e da tristeza, da luta sem sangue derramado por um futuro que me parece sempre adiado, cada vez mais escondido numa gaveta esquecida lá no Palácio de São Bento, tão presente nas minhas memórias, não pouco o tempo que passei numa casa dum prédio situado mesmo em frente, com uma vista privilegiada, que fomentava os meus sonhos do menino que fui... ontem. Do pouco que sei e do muito que ouvi, sei da cor viva de um País renascido, dos ideais de esperança de um povo até aí como o fado, cinzento e triste. A Revolução, os cravos, os militares que resgataram a crença em amanhãs melhores, são tudo imagens que fazem parte das minhas memórias. Foi bonita a festa, pá! Da opressão e da censura, da pide e do homem que governava sozinho até à tão ansiada liberdade foi um passo bem maior que o dado por Neil Armstrong em solo lunar, mas não menores em importância. Os militares libertaram um país descrente, os políticos tomaram o poder e criaram a democracia, a liberdade de expressão, deram-nos direitos e um motivo para sonhar. Ontem, o país tinha finalmente uma face alegre e bonita, resplandecente. Depois, não muito, entre os vivas à democracia e os feitos dos heróis recentes, já se ouviam alguns queixumes - não se confunda com nostalgia, mas queixumes - de que o país das maravilhas de Alice não era assim tão maravilhoso, nem o futuro uma estrada radiosa, sem sobressaltos. Quais velhos do Restelo, sussurravam já não entredentes como no antigo regime: "antigamente... antigamente havia trabalho para quem queria trabalhar, o pouco que se ganhava dava para comprar mais do que se compra hoje, havia agricultura e pesca, e até a comida tinha outro sabor. O Benfica e o Sporting ganhavam mais campeonatos." O país que era governado por um ditador estava agora dividido nas teias do poder político, entre a direita e a esquerda, norte e sul, poder e oposição, numa guerra onde o povo - pelo qual se fez a revolução - estava sempre ou quase sempre à margem, excepto nas campanhas eleitorais, nas promessas já tão gastas de tão repetidas, enquanto as nossas riquezas e recursos eram delapidados. Amanhã comemora-se uma vez mais uma festa que devia ser de todos, mas especialmente do povo, a consagração de tantas conquistas que nesse dia e nos seguintes se fizeram, mas o presente já não é tão colorido como ontem e o futuro é sombrio, carregado de medos e incertezas. Onde páram os ideais de 74, agora que até as suas figuras proeminentes se afastam das comemorações oficiais? Haverá ainda algum Salgueiro Maia, algum D.Sebastião renascido das brumas que nos devolva a esperança e tudo aquilo por que lutámos e um dia conquistámos? Onde pára a esperança de um amanhã melhor, um futuro para nós e para os nossos filhos?
Minha querida morte!
Há 3 dias