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qual será a nossa verdadeira natureza? |
Hoje,
recordei aquela
antiga teoria de que qualquer um de nós pode matar outra pessoa,
associando-a a histórias como a de Jekyll and Hyde e tantas outras,
verosímeis ou não que nos deixam sempre de boca aberta, tal a capacidade
do Homem em espantar-nos com atitudes indignas mesmo do nosso
antepassado e primitivo habitante das cavernas. Seremos essencialmente
bons ou maus? Qual será a nossa verdadeira natureza, os nossos instintos
mais latentes? Nos Estados Unidos, uma mãe matou o próprio filho, de
três meses, porque o choro da criança estava a incomodá-la, enquanto
jogava ao Farmville. Ela confessou às autoridades ter abanado o bebé,
fumando um cigarro em seguida, na tentativa de se acalmar, mas tornando a
abaná-lo até ao desfecho fatal. Talvez seja mesmo verdade que qualquer
um possa matar, como até roubar. Experimentem ter uma família sem
recursos de subsistência, perderem o trabalho, verem os filhos doentes,
chorando com fome... Uma das consequências do agravamento do poder de
compra e de uma crise cujo fim não se vislumbra - antes pelo contrário -
será, certamente, fazer aumentar a criminalidade. Simples lógica
dedutiva. Matar não será acto de uma sequência tão racional - na maior
parte das vezes -, obedece sobretudo a motivações, fruto de um instante,
de uma loucura que nos tolda os sentidos e nos traz à flor da pele os
impulsos mais irracionais e primitivos, que julgávamos não existirem,
depois de anos e anos de evolução e educação. Culpar o Facebook e os
seus jogos soa-me a uma desculpa tão frágil como associar a
criminalidade à violência dos filmes. Resta sempre o stress, tão
conveniente para justificar todas as nossas emoções mais instáveis, as
fúrias súbitas, o mau humor e a falta de paciência, a luta diária por
uma vida - ou sobrevivência - pelo menos no limiar da dignidade. Sei que
os dias parecem cada vez mais curtos, independentemente da mudança da
hora que aí vem, que o tempo que temos se transformou numa corrida
diária, de tarefas cronometradas ao segundo. São os transportes, as
relações, as refeições já sem a família toda junta, sem tempo sequer
para nos sentarmos, o fast-food, o fast-fuck, a televisão a silenciar o
diálogo, os relógios de ponto e o medo do futuro, tudo num ritmo
vertiginoso - time is money - como uma volta num carrocel que teima em
não parar, onde qualquer descuido, qualquer falta de atenção podem ser
suficientes para um game over. Uma espécie de tortura psicológica, em
que matar ou morrer chega a parecer para muitos natural e razoável,
mesmo lógico. Não para mim. Natural, razoável é jogar um jogo na
internet de vez em quando como forma de distracção, assistir a um bom
filme, mas sem usar esses devaneios como uma concha onde nos escondemos e
sentimos imunes e tantas vezes impunes, sem cair no vício de aí
permanecermos horas e horas, especialmente quando há uma vida que tantas
vezes nos passa despercebida, de pormenores, de convívio com pessoas
reais, amigos, família, que não têm culpa do ritmo frenético, dos
humores inconstantes e que não têm por isso de ser transformados em
reféns de uma guerra interior, invisível, tendo de chorar ou preencher
formulários por um pouco da nossa atenção e boa disposição. Um jogo não é
mais do que isso mesmo, algo onde ganhamos ou perdemos, morremos e
recomeçamos, onde temos a opção de carregar no pause de cada vez que
quisermos. A vida não tem essa opção, por isso cada minuto conta tanto,
cada minuto deve ser valorizado como um milagre, uma benção. Um passeio
ao ar livre, uma ida ao cinema, um jogo de computador - em família,
dialogar, amar, podem fazer muito mais por nós que uma embalagem de
Valium ou de Xanax.