terça-feira, março 02, 2010

ÁGUAS DE MARÇO

Águas de Março tingem o mar de um triste e soturno verde pálido, tão distantes das matizes azuladas em que o nosso olhar se perdia, disperso dos afazeres das mãos. Ao longe a silhueta desfocada de um cacilheiro embalado na valsa da maré suspende recordações de um momento sem passado nem futuro, sem barcos nem terra à vista nos olhos semicerrados de então, cegos de ternura e de paixão, de um tesão difícil de conter. Hoje os barcos voltaram ao Tejo, mas perderam a cor viva dos sonhos. Digo para mim mesmo que consigo continuar: "Olha, sem mãos!". Tropeço na ausência dos teus braços envolventes que me impediam de naufragar e misturo o sangue das minhas lágrimas nas águas turvas de um triste fado.

11 comentários:

Olga disse...

Este post fez-me lembrar este poema:
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.
(Eugénio de Andrade)
Beijos, Miguel, votos de dias melhores!

Regina Rozenbaum disse...

Miguelito, duplo anjo, amado!
Quer um colinho? Tô aqui de prontidão! O dia, amigo, escurece até meia-noite, porque meia-noite e um, necessariamente ele começa a clarear!!!
Beijuuss n.c.

www.toforatodentro.blogspot.com

Unknown disse...

Mesmo assim alterado, o Tejo merece tudo: o nosso encanto, o nosso desespero pelos dias de sol franco, o que se desejar ardentemente...

Saudações

B! disse...

A Natureza tem tanto de belo como de destruidora! Espero que as coisas se equilibrem...

beijinhos

Carla Antunes disse...

Ola Miguel.
Lindíssimo poema, dele guardei esta última frase:

"Tropeço na ausência dos teus braços envolventes que me impediam de naufragar e misturo o sangue das minhas lágrimas nas águas turvas de um triste fado"

tristes mas belas...possuis o dom de encantar.



Beijinhos

Miguel disse...

Olga, mais um presente lindo que deixa aqui a perfumar este Lado B. Um poema triste mas ao mesmo tempo muito sentido e bonito que me deixou por momentos, sem palavras. Obrigado.

Regina, sua simpatia adoça este cantinho. As palavras vão algumas vezes além das vivências, ainda que exista nelas quase sempre um cunho pessoal. Eu espanto qualquer tristeza - ou pelo menos tento - quando escrevo.

JPD, o Tejo, esse velho companheiro que tanta escrita já inspirou e que é tão maltratado por tanta gente, sempre com um sorriso para quem se quer perder deliciado nos seus encantos.

B, a vida é como um relógio que não se quebra, continua a andar, apesar disto e daquilo, apesar dos pesares, sem deixar muito tempo para lamentações. E é assim que deve ser.

Maria, enquanto puder conservar este dom de com as minhas palavras te encantar, terá valido a pena, terá feito sentido todo este tempo, toda a escrita e o que por vezes - não muitas - ouso chamar de inspiração. Toda a palavra fica muda se não puder chegar a outro alguém.

"Picos" disse...

Que belo o teu olhar... condicionalmente romântico como deve ser.

P.S= Cada vez mais contente de me ter “derrubado” em ti no google. Obrigada pela tua atenção para comigo.
Beijo xxl

Eva Gonçalves disse...

Bonito Miguel! Não conheço bem o Tejo, mas tudo que seja água é comigo... e esta fonte, inspirou maravilhosamente... Beijinho

Fê blue bird disse...

O Miguel tem poesia na prosa.
Eu que conheço bem o Tejo acho que não podia estar melhor retratado, mesmo triste mesmo exaltado o Tejo é lindo!
Beijinhos

João Santana Pinto disse...

Posso estar equivocado mas parece-me um hino ao amor… possivelmente passado

Miguel disse...

Picos, o universo virtual tem destas felizes coincidências. Eu é que agradeço a amizade e as palavras sempre simpáticas.

Eva, adoro o mar. A par da lua sempre teve em mim um fascínio especial.

Fê, vindo de quem vem essas palavras acarretam não só um enorme elogio mas uma grande responsabilidade. Simplesmente gosto de escrever.

Sam, o amor está quase sempre adjacente a quase tudo o que escrevo, como de quase tudo o que leio nos meus passeios pela blogosfera. Não o amor entre duas pessoas, não somente físico, mas da necessidade que as pessoas têm, do medo de ficarem sós, numa sociedade muito virada para o seu próprio umbigo.